Nós todos vivemos com medo.
Essa constatação me ocorreu num certo domingo à tarde, enquanto ouvia certas conversas "de gente grande" na casa da Kati, como diria a Rebeca. Discutiam-se temas soltos, sem nehuma especificidade mais apurada. No entanto um comentário me chamou a atenção: quantidade de filhos. Não lembro quem disse, mas o contexto envolvia as aparentes absurdas despesas para se manter uma criança, nos dias de hoje. Lembro que chegaram a comparar com o que se gastava antigamente para a mesma finalidade.
Então... A primeira associação que fiz com o tema discutido foi o preço da educação. Especificamente, o preço que se paga para que o filho estude num bom colégio.
O preço é caro, bem caro, mas é sempre pago com a certeza de que se faz um bom investimento e de que se cumpre uma obrigação inerente a ser um bom pai ou uma boa mãe. Dependendo do colégio no qual esteja matriculada a criança e, consequentemente, do preço da mensalidade respectiva, a sensação é de se estar cumprindo tal obrigação de uma forma melhor ou pior.
Mas desde quando um bom colégio garante uma boa educação? E o que raios é um bom colégio? Primeira resposta: um bom colégio não garante uma boa educação. Segunda resposta: colégio bom é aquele que atende aos anseios de pais desesperados para ver o futuro dos filhos garantido (leia-se filhos futuramente "ricos"), o que, por sua vez, é determinado pelo que socialmente é considerado como reflexo de uma carreira bem sucedida (I´m being ironic).
... Observe-se que, em momento algum, mencionei a felicidade da criança. ...
Atualmente, na cidade de Fortaleza, Estado do Ceará, País Brasil, situado no sub-continente América Latina, ser bem sucedido é estudar Direito ou Medicina e/ou ser concursado. Ponto. Nothing else... ¬¬... É claro que isso é uma falácia e, de minha parte, um pequeno exagero, mas o inconsciente coletivo grita nessa direção.
Os colégios fazem propagandas de resultados de seus alunos no exame do ENEM e em vestibulares. Propagandeiam os primeiros lugares, exaltam a quantidade de aprovados e não mencionam, em momento algum, seus métodos.
É lógico. Seus métodos procuram formar a criança ou o adolescente um estudante profissional, limitado a ser aprovado em testes (que estão longe de medir suas capacidades) e preocupado em sempre ser o primeiro naquilo que escolheram (pai, mãe, família, sociedade.. enfim) para ele ou ela.
É um sistema. Um círculo vicioso. Na mídia, a sociedade está sempre em crise (salvo quando se fala sobre novelas, futebol, carnaval e coisas assim... aí todos os apresentadores de jornais são só sorrisos ¬¬), a economia anda sempre devagar (salvo em épocas de festa, tipo natal, páscoa, carnaval) e nunca há vagas de emprego o suficiente para todo mundo (isso até que é verdade, mas depende muito do momento histórico que se vive).
A impressão geral de que tudo está difícil engessa as possibilidades de qualquer ser-humano sonhador, pois o limita a tentar exaustivamente ser bem sucedido naquilo que se entende ser garantia de uma vida tranquila (leia-se: uma vida sem dificuldades financeiras). Com essa perspectiva, o foco da população muda. A preocupação primordial é a sobrevivência, determinada por aquilo que o manipulado inconsciente coletivo entende por essencial. Refiro-me a trocar de carro a cada 2 anos (quem inventou isso? Um motor de carro é feito para durar, por baixo, 150.000km!), comprar roupas nas lojas tidas como de "qualidade" garantida, participar da massa acéfala que pula nas festividades anuais de forma inconsequente e, voltando para a "realidade", passar o resto do ano trabalhando para pagar por essas 3 coisas, as quais, de acordo com o TODO, garantem sua felicidade, confirmam para todos que você está "curtindo" a vida... bla, bla, bla ... mi, mi, mi, mi... whatever... ¬¬
Existe um tom de ironia em dizer que essas 3 coisas são essenciais à sobrevivência e minhas colocações, além disso, são um óbvio exagero. A ironia serve só para marcar o quanto se dá importância primária ao que deveria ser secundário. Aliás, essas 3 coisas, além de outras supostamente não tão importantes, até poderiam ser primárias, mas existe hora e lugar adequados para tudo.
O exagero está no fato de que querer tais coisas não nos faz um bando de desmiolados. Ora, quem não quer ter um carro novo? Eu quero. Quem não gosta de festa? Eu gosto. Quem não quer se vestir bem, comer bem, ter algum luxo, trocar de celular, comprar um computador novo, uma televisão nova etc...
High five, Mundo!! Porque todos queremos!!
É tipo isso...
Mas as pessoas esquecem de fazer isso no seu tempo e dentro de suas possibilidades. A impressão que tenho da maioria é que ela quer o futuro "pra ontem". Não há uma maior consideração sobre o caminho que se deve percorrer para que se chegue a determinado objetivo. Não se pensa, ou se pensa muito pouco, nas consequências do que se faz para alcançar tal objetivo... Enfim.
Esse não pensar é determinado pela ânsia de se conseguir o sucesso (seja ele o que for, mas geralmente vinculado a ter dinheiro) o mais cedo possível. Essa ânsia alimenta e é alimentada pelo medo. Medo de não se conseguir aquilo que todos dizem ser importante.
A meu ver, o reflexo disso tudo na criança, na base da sociedade, é óbvio. Veja: premissa 1 - enquadrar-se no sistema (social, educacional e laboral) é "garantia" de sucesso; premissa 2 - ninguém quer esperar para ter sucesso; premissa 3 - se você se prepara antes, leva vantagem sobre quem deixa para depois; consequência - crianças focadas, desde muito novas, em ser aprovadas. Aprovadas em que? Em qualquer coisa... A sociedade meio que esqueceu que o insucesso faz parte da vida.
...
Acho que aqui cabe uma historinha:
Há algum tempo, conheci, em Montevideo, um australiano que estava hospedado no mesmo albergue que eu. Jogando conversa fora, ele me deu um breve resumo de sua história recente: havia terminado o colegial, serviu ao exército por um ano, tempo em que juntou algum dinheiro, terminou o período de serviço e decidiu passar um ano viajando... Perguntei o que ele faria quando voltasse para casa. Resposta: "Não sei, quando chegar lá, penso sobre isso..."
Fim da história.
...
Ao ouvir a resposta final, naquele momento, lembrei que, com a mesma idade do australiano, existem milhares em Fortaleza, ou mesmo no Brasil, preocupados unicamente em ser aprovados em testes (provas, vestibular, concurso público, entrevista de emprego etc). Não que isso seja errado. Mas existe ainda uma forte impressão de que isso é um fim em si mesmo! Tipo: aprovado no vestibular, formado, empregado e casado, pronto! Parabéns! Você foi agraciado com o certificado de felicidade comprovada e agora pode morrer... ¬¬
Não parece haver espaço para que o jovem ou o adulto pare e pense. Sobre o que? Sobre si mesmo ou sobre qualquer coisa que lhe convenha. É um contexto de vida onde tudo parece pré-determinado, onde todas as escolhas já foram feitas por você. Não há espaço aparente para a criança brincar, sonhar e desenvolver seu sonho do seu jeito até o limite em que ela, por si, toma consciência de quem é, o que quer fazer e, com isso, partir para a vida motivada a tornar realidade aquele sentimento que lhe impulsiona na direção de sua felicidade.
Esse espaço, o espaço para brincar e sonhar (leia-se ser livre) é essencial. A existência desse espaço sim é uma questão de sobrevivência.
Não estou dizendo aqui que a criança deve ser deixada solta para fazer o que quiser. Não, longe disso. A criança não precisa nem deve ter que fazer isso sozinha. É necessário orientação. Mas a orientação tem de ser dada do ponto de vista dela, e não da perspectiva do adulto noiado, traumatizado, medroso e cheio de manias. Cautela é sempre bom. Aprender com os erros é essencial. Mas tolher a experiência viva de uma criança que descobre o mundo pela primeira vez, sob a alegação de que já se sabe as consequências supostamente nefastas de uma suposta atitude qualquer é uma tolice inacreditável. Nada é certo nessa vida. Nada é objetivo. Nada é determinado. O mundo cartesiano e a física Newtoniana já não dominam mais a cultura que nos envolve.
Educar uma criança é promover o desenvolvimento de um ser novo, quase puro, tal qual uma folha em branco. A grande sacada dessa educação, ao que me parece, é deixar que esse ser escreva a maior parte das palavras, frases e textos dessa folha, deixando para nós, que por eles devemos olhar, apenas as notas de rodapé.
... Feito isso, acredito que aí sim, poderemos mencionar várias vezes, nessa história, a felicidade da criança...
Just thinking...
Esse post não me parece bem finalizado, mas já tá muuuuuuuuuito longo e tô com preguiça.